segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

INFECÇÃO URINÁRIA O QUE É E COMO ACONTECE

Diagnóstico das infecções do trato urinário





Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302005000600008


Hélio Vasconcellos Lopes; Walter Tavares
Sociedade Brasileira de Infectologia. Sociedade Brasileira de Urologia


Método de coleta de evidências: Trabalhos publicados em revistas médicas nos últimos dez anos e pesquisa na internet.
Grau de recomendação e força de evidência científica:
A:
Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B:
Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C:
Relatos de casos (estudos não controlados).
D:
Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Objetivo
Apresentar, de forma sucinta e didática, as diretrizes fundamentais para o diagnóstico das infecções do trato urinário.

Conflito de interesse
Nenhum conflito de interesse declarado.

Introdução
A infecção sintomática do trato urinário (ITU) situa-se entre as mais freqüentes infecções bacterianas do ser humano1,2(D), figurando como a segunda infecção mais comum na população em geral3(D), predominando entre os adultos em pacientes do sexo feminino4(D). Nas crianças, particularmente no primeiro ano de vida, a infecção urinária também é muito comum, predominando igualmente no sexo feminino; nesta população de pacientes pediátricos, predomina a pielonefrite, recorrente na maioria dos casos devido à presença de refluxo vésico-ureteral, uni ou bilateral5(A)6(C ).

Definição
A infecção urinária pode comprometer somente o trato urinário baixo, o que especifica o diagnóstico de cistite, ou afetar simultaneamente o trato urinário inferior e o superior; neste caso, utiliza-se a terminologia infecção urinária alta, também denominada pielonefrite. A infecção urinária baixa ou cistite pode ser sintomática ou não7(D).
As infecções do trato urinário podem ser complicadas ou não complicadas, as primeiras tendo maior risco de falha terapêutica e sendo associadas a fatores que favorecem a ocorrência da infecção. A infecção urinária é complicada quando ocorre em um aparelho urinário com alterações estruturais ou funcionais8,9(C).
Habitualmente, as cistites são infecções não complicadas enquanto as pielonefrites, ao contrário, são mais complicadas, pois em geral resultam da ascensão de microrganismos do trato urinário inferior e estão freqüentemente associadas com a presença de cálculos renais10(C)4,7(D ).
Tanto a infecção urinária baixa como a alta podem ser agudas ou crônicas e sua origem pode ser comunitária ou hospitalar11(D).

Epidemiologia
A maior suscetibilidade à infecção no sexo feminino é devida às condições anatômicas: uretra mais curta e sua maior proximidade com vagina e com ânus3,4(D). Outros fatores que aumentam o risco de ITU nas mulheres incluem: episódios prévios de cistite, o ato sexual, o uso de certas geléias espermicidas, a gestação e o número de gestações, o diabetes (apenas no sexo feminino) e a higiene deficiente, mais freqüente em pacientes com piores condições socioeconômicas e obesas10(C)3,4(D ).
No adulto do sexo masculino, favorecem a ITU a instrumentação das vias urinárias – incluindo-se o cateterismo vesical - e a hiperplasia prostática12,13(D); nos idosos e em indivíduos hospitalizados, as taxas de ITU também são elevadas pelos fatores citados e por inúmeros outros, relacionados àquela faixa etária12,13(D). As taxas de ITU são bem maiores nos homossexuais masculinos, estando relacionadas com a prática mais freqüente de sexo anal não protegido14(B), e também nos indivíduos com prepúcio intacto15(B). Nos indivíduos com o vírus HIV, a infecção, por si só, é um fator de risco para ITU, aumentando em relação direta com a queda dos níveis dos linfócitos CD4+16(B).
Nos hospitalizados submetidos a cateterismo, a presença de sistema de drenagem de urina aberto resulta em bacteriúria em 100% dos casos, após quatro dias. Já naqueles com sistema de drenagem de urina fechado, a bacteriúria irá ocorrer em 5% a 10% dos casos, por dia de manutenção do cateter. Note-se que a ITU adquirida em hospital é considerada a principal causa de bacteremia por bacilos gram-negativos. As ITU adquiridas em hospital são as nosocomiais mais freqüentes em todo o mundo, representando cerca de 50% do total das infecções adquiridas em hospitais gerais e, em custo, 14% do valor total dispendido com as infecções nosocomiais13(D).

Etiologia
Os agentes etiológicos, mais freqüentemente envolvidos com ITU adquirida na comunidade, são, em ordem de freqüência: a Escherichia coli, o Staphylococcus saprophyticus, espécies de Proteus e de Klebsiella e oEnterococcus faecalis. A E. coli, sozinha, responsabiliza-se por 70% a 85% das infecções do trato urinário adquiridas na comunidade, e por 50% a 60% em pacientes idosos admitidos em instituições17(C)7,18( D). Contudo, quando a ITU é adquirida no hospital, em paciente internado, os agentes etiológicos estão diversificados, predominando as enterobactérias, com redução na freqüência de E. coli (embora ainda permaneça habitualmente como a primeira causa), e um crescimento de Proteus spPseudomonas aeruginosa,Klebsiella spEnterobacter spEnterococcus faecalis e de fungos, com destaque para Cândida sp17,19(C)7(D ).

Diagnóstico
Diagnóstico clínico
A infecção do trato urinário baixo (cistite), quando sintomática, exterioriza-se clinicamente pela presença habitual de disúria, urgência miccional, polaciúria, nictúria e dor suprapúbica. Febre, neste caso, não é comum. Na anamnese, a ocorrência prévia de quadros semelhantes, diagnosticados como cistite, deve ser valorizada7(D).
O aspecto da urina pode também trazer informações valiosas: urina turva (pela presença de piúria) e/ou avermelhada (pela presença de sangue), causada por cálculo e/ou pelo próprio processo inflamatório7(D).
A infecção do trato urinário alto (pielonefrite), que habitualmente se inicia como um quadro de cistite, é habitualmente acompanhada de febre – geralmente superior a 38 graus centígrados – de calafrios e de dor lombar, uni ou bilateral. Esta tríade febre mais calafrios mais dor lombar está presente na maioria dos quadros de pielonefrite. A dor lombar pode se irradiar para o abdômen ou para o(s) flanco(s) e, mais raramente, para a virilha, situação que sugere mais fortemente a presença de cálculo, com ou sem infecção, na dependência da presença dos outros sintomas relacionados. Os sintomas gerais de um processo infeccioso agudo podem também estar presentes, e sua intensidade é diretamente proporcional à gravidade da pielonefrite. A maioria dos pacientes com pielonefrite refere história prévia de cistite, geralmente detectada nos últimos seis meses9(C)1(D).
Diagnóstico laboratorial
A infecção urinária é caracterizada pelo crescimento bacteriano de pelo menos 105 unidades formadoras de colônias por ml de urina (100.000 ufc/ml) colhida em jato médio e de maneira asséptica. Em determinadas circunstâncias (paciente idoso, infecção crônica e uso de antimicrobianos) pode ser valorizado crescimento bacteriano igual ou acima de 104 colônias (10.000 ufc/ml)10(C)20(D ).
A bacteriúria assintomática é definida como a presença de, no mínimo, 105 colônias/ml da mesma bactéria em pelo menos duas amostras de urina em paciente, habitualmente mulher, que não apresenta os sintomas de infecção urinária habituais21(D).
1. Exame de urina I com sedimento urinário. Este exame irá fornecer, quando associado à anamnese e ao quadro clínico, os dados que praticamente confirmam o diagnóstico de ITU: presença de piúria (leucocitúria), de hematúria e de bacteriúria. Os valores encontrados são, habitualmente, proporcionais à intensidade da infecção7(D).
2. Urocultura. A cultura de urina quantitativa, avaliada em amostra de urina colhida assepticamente, jato médio, poderá fornecer, na maioria dos casos, o agente etiológico causador da infecção e trazer subsídio para a conduta terapêutica. Sua importância crescerá quando, diante de falha da terapia empírica, possibilitará a realização do teste de sensibilidade in vitro (antibiograma), que orientará uma nova conduta terapêutica7,20(D).
Fator limitante à importância da cultura de urina é a demora habitualmente exigida para a obtenção do seu resultado. Na grande maioria das vezes, a paciente com cistite não complicada, tratada empiricamente, já está clínica ou mesmo microbiologicamente curada quando o resultado da cultura é fornecido; nestas situações, este exame torna-se inútil, além de dispendioso10,22(C)7(D).
3. Teste de sensibilidade in vitro a antimicrobianos (TSA). O antibiograma, como é habitualmente reconhecido este exame, atua complementarmente à cultura de urina. Na rotina das cistites não complicadas, sua utilidade é pequena, haja vista a predominância maciça e resolutiva da terapia empírica. No entanto, naqueles casos em que ocorre falha desse tipo de terapia, nas pielonefrites e nas infecções urinárias hospitalares, a presença do antibiograma é de grande utilidade. Igualmente sua importância cresce nas cistites complicadas, quando o risco de insucesso da terapia empírica aumenta. O antibiograma fornecerá os antimicrobianos potencialmente úteis a serem prescritos2,7(D).
4. Hemocultura. Este exame não tem nenhum valor em pacientes com cistite. No entanto, diante de um quadro de pielonefrite, torna-se potencialmente valioso; sua positividade, nesta infecção, situa-se entre 25% a 60% e, além da informação do agente etiológico (nem sempre identificável na urocultura), indica para o risco de uma sepse, sugerindo uma potencial gravidade7(D).
5. Exames de imagem. A ultra-sonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética têm indicação restrita àqueles casos de cistite/pielonefrite não resolvidos com terapia empírica; assumem maior importância para o diagnóstico de complicações e, também, para evidenciar alterações estruturais e/ou funcionais do sistema urinário23(C)24,25 (D).

Referências
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