sábado, 3 de abril de 2010

Aborto por anomalia fetal

in: Thomaz Rafael Gollop




Livre docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo. Diretor do Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de São Paulo, São Paulo - SP.



O avanço da ciência médica e, em especial, das novas tecnologias reprodutivas, inicia em nosso meio um debate muito importante e que já evoluiu muito em países desenvolvidos, relativo à adequação ético-legal dos resultados obtidas através dessas mesmas tecnologias. O diagnóstico pré-natal (DPN) de anomalias fetais permite, em casais com risco genético, avaliação muito precisa de patologias fetais.

Quando não existe tratamento para a afecção diagnosticada, estabelece-se uma situação angustiante para a família que, segundo o autor, deve ser contemplada com um atendimento profissional seguro e competente. Essa questão é tratada no presente artigo, que se acompanha de revisão da realidade de outros países e de reflexões sobre o encaminhamento desse problema em nosso país.



UNITERMOS - Ética, medicina fetal, aborto por anomalia fetal, aborto-legislação.



Em 1992 foi criada uma Comissão para Reformulação do Código Penal, e a parte específica dos crimes contra a vida foi orientada por uma subcomissão, presidida pelo desembargador Dr. Alberto Franco, e da qual tivemos o privilégio de participar. É necessário fazermos justiça ao mencionar que, antes dos trabalhos da Comissão, um grupo de conselheiros do Conselho Federal de Medicina já havia elaborado um estudo contemplando uma possível descriminalização do aborto por anomalia fetal até 24 semanas de gravidez. A Comissão propõe a seguinte redação para o futuro Código Penal:




"Não constitui crime o aborto praticado por médico: Se se comprova, através de diagnóstico pré-natal, que o nascituro venha a nascer com graves e irreversíveis malformações físicas ou psíquicas, desde que a interrupção da gravidez ocorra até a vigésimo semana e seja precedida de parecer de dois médicos diversos daquele que, ou sob cuja direção, o aborto é realizado".



Entretanto, como costuma acontecer, os fatos sociais precedem a reformulação das leis. Em 19 de dezembro de 1992, o juiz Dr. Miguel Kfouri Neto, de Londrina, autorizava pela primeira vez um aborto legal em feto portador de anencefalia numa gestação de 20 semanas. Por estímulo e orientação do Dr. Kfouri, a equipe do Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de São Paulo entrou com ação judicial em 4 de novembro de 1993 solicitando a interrupção legal de uma gravidez de 24 semanas com feto portador de acrania e onfalocele. Em 5 de novembro, ou seja, transitando em julgado por apenas 24 horas, o juiz Dr. Geraldo Pinheiro Franco autorizava a interrupção da gravidez. Baseado nessas duas sentenças, em 3 de dezembro de 1993 o juiz Dr. José Fernando Seifarth de Freitas, de Guaralhos, São Paulo, autorizava a interrupção de uma gestação de 20 semanas comprometida por anencefalia.



Os casos acima mencionados mostram que dois preconceitos foram eliminados. Nem é lenta a justiça quando a decisão é urgente para preservar a qualidade de vida dos envolvidos, nem são os juízes insensíveis aos avanços da ciência e às necessidades prementes do ser humano! E fato, porém, que estava certo o Dr. Kfouri ao afirmar que a justiça precisa de defrontar-se com casos práticos, a fim de raciocinar e amadurecer pontos de vista com base em situações práticas.
Não temos dúvidas que em espaço de pouco mais de um ano demos muitos passos adiante no sentido de vermos reformulado o Código Penal naquilo que diz respeito à interrupção legal do aborto por anomalia fetal.

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